April and the Extraordinary World (Abril e o Mundo Extraordinário) é um filme que tentei ver algumas vezes. Me lembro que a primeira só estava buscando algo diferente e o poster chamou a atenção, mas não conseguia encontrar. Isso deve ter sido por volta de seu lançamento em 2015, pois não me lembro de ter visto um trailer ou as inúmeras listas o citando como um dos melhores filmes animados já feitos. Que foi o motivo da minha segunda tentativa, ainda falha.
As listas não eram necessariamente um top 10 definitivo. Os 100 melhores, grandes animações francesas, ótimos filmes inéditos, melhores da década. Não importa. Só sei que fiquei com ele na cabeça por anos, e sem jamais dar play. Não existiam legendas, a qualidade não era boa, só tinha dublado em inglês, perdi o HD, formatei o PC, tive de me mudar e esqueci do filme, deletei para ter espaço, e mil outras coisas. Ao ponto que me pergunto se o filme e seu poster não impregnam minha mente devido a uma insistência sem sentido.
Falo assim pois com o tempo só sobrou isso, o nome e seu poster. Com todo o resto apagado de minha mente, talvez tirando o óbvio de ser um filme francês de aventura, que era algo claramente indagado, sem certeza absoluta, pela arte que tanto rondava minha psique. Uma garota correndo, pulando entre prédios, seguida de seu gato e com inusitadas duas torres Eiffel ao fundo.
Avril et le monde truqué. Com a possível tradução de Abril e o Mundo… “Manipulado”, “Deceptivo”. Do inglês, Mundo Extraordinário. O original faz sentido, mas perde o impacto e não condiz com a capa. Já extraordinário é um mundo mágico, daquelas duas torres ao fundo. Mas iniciamos a jornada no mundo pacato, antigo, da era napoleônica. “Estranho”, talvez fosse algo melhor a tal começo. Pois existe uma certa aula, não muito correta, em meio a narração quase documental. Só que num clima sinistro, de efeitos não tradicionais e muitas sombras.
E ainda assim, o mais estranho e destoante são as pessoas em cena. Não parece que elas pertencem de fato ao ambiente. É um cenário de sci-fi, puxando bem para Frankenstein. Um acidente terrível, mortal. E pulamos ao presente. As pessoas continuam destoando muito, mas agora não dos tubos de experimento e animais maltratados. São máquinas bizarras, escassez de energia e muita poluição. Tudo seguindo ainda com a família do primeiro inventor mostrado, uma guerra sem fim e a busca por um soro.
Novamente o tempo passa, mas agora somente 10 anos, que parecem ser uma eternidade. Não aos personagens, mas ao espectador. 10 anos se parar para pensar é um tempo muito curto, em comparação ao primeiro salto temporal. A garota pequena da fase anterior agora está adulta, mas os demais personagens seguem iguais. Porém aquele mundo estranho fica cada vez mais deplorável. Ainda tem o lance do soro, que só parece ser possível por milagre. A guerra continua, agora o foco central de toda a humanidade. A poluição se espalha, com locais completamente devastados, natureza sendo raridade e máquinas tomando cada vez mais o ambiente. Numa era steampunk macabra.
Só que apesar disso tudo que lhe falei, minha impressão inicial do poster estava correta. Sim, o mundo é “deceptivo”, e quanto mais se descobre da trama central e dos mistérios que rondam todos, mais se nota a corrupção. E não falo de política. Daria para ser “Mundo Corrompido” no título fácil, fácil. E ainda assim, tudo é completamente extraordinário. As máquinas são ricas em detalhes, criativas e impressionantes. É algo vindo de sonhos. Com o mesmo podendo ser dito de toda essa ficção histórica. É uma distopia onde a linha temporal divergiu, no que poderia ser encarado com outro universo, num multiverso. Mas não deixa de ser fantástico e memorável todo esse caos ambulante.
Colocando de outra forma, o mundo apresentado tem carisma. Não por ser horrível. Mas por ser criativo. Uma brilhante colocação de um ponto muito importante. Pois se trata claramente de uma mensagem ambientalista e, até certo ponto, anti armamentista. Ela é, obviamente, pessimista. Mas com todo um clima e personagens que fazem tudo parecer uma bela fantasia.
E falando deles, os personagens. Meu deus, que grupo fenomenal. Isso falando do protagonista, ao secundário, até os vilões. Gosto muito deles pela expressividade, inventividade e movimentação. As cenas de comédia ou ação são deslumbrantes, mesmo que você não gargalhe ou ache tudo foda com coreografias espetaculares. Não tem muito disso. São detalhes mais sutis, mas sempre bem encaixados, rápidos e afiados. Onde a cereja no bolo é todos serem extremamente positivos.
Tem momentos de tristeza e drama. Com alguns que me fizeram realmente sentir. Mas apesar de toda a situação merda, April quer sempre seguir em frente e buscar sua família e o soro. Isso a usando de exemplo. Não posso falar dos outros, pois cairia como spoiler. Mas independente do objetivo ou da merda, eles tão ali, sempre tentando o máximo a cada passo. E isso é contagiante.
Tudo num filme que a cada momento lhe surpreende, e com poucos detalhes que podem incomodar. Tem uma certa dinâmica de casais que alguns acham datada e após certo tempo o filme para de ser imprevisível, apostando mais seguro. Mas não acho que isso estrague o todo. Onde os maiores problemas são referentes ao ato final. Contando inclusive com as mensagens a serem transmitidas e com alguns pedaços que podem ser encarados como pessimistas até demais. Ou seja, destoa, mas não diminui o impacto da jornada.
Pessoalmente eu adorei o filme. As cores são lindas e a animação é perfeita. Olhando os personagens eu não consigo deixar de pensar em Tintim, o clássico franco-belga. Desenho e filmes no meu caso. E pra mim April foi justamente essa minha lembrança, quase nostálgica, elevada a um patamar extra. Só que ainda não foi o sentimento maior. Pois tirando o longa aplicar uso de armas, o geral dele é um fucking filme Ghibli. Onde por vezes eu pensei nas obras do estúdio japonês, com destaque a Nausicaa e O Castelo Animado. Para vocês verem o quanto que amei essa obra.