O Último Unicórnio foi um filme que me deparei por acaso. Eu estava olhando as entradas recentes de um determinado site e lá estava a animação, com fotos muito bonitas para ilustrar. E eu fiquei com aquelas imagens na cabeça, e só não corri para assistir por conta de sua temática.
Eu adoro filmes de animação, e nessa minha jornada eu já vi vários com nomes questionáveis ou temas estranhos. Mas até eu tenho um pouco de preconceito quando se chama O Último FUCK!NG Unicórnio. Não por parecer algo para jovens garotas, mas sim por parecer muito infantil, de forma a se associar em minha mente a algo como a série de filmes da Tinker Bell, que são exatamente aventuras para uma faixa etária muito nova.
Só que como disse antes, isso é um preconceito meio infundado. Talvez eu somente não goste de unicórnios, visto que nem o famoso Unico de Osamu Tezuka eu cheguei a consumir, seja como mangá ou filme. Enquanto do outro lado já vi Ferngully, A Ratinha Valente, Toy Story, Bambi entre outros. Só para citar alguns filmes que poderiam ter entrado nessa lógica de infantil, mas que no fim são filmes que eu adoro.
Então eu pensei, ok, vou buscar mais do filme e ver se eu me animo a assistir. É um longa de 1982, o que explica um pouco o visual que intercala entre clássico e moderno. Já do lado dos diretores, Jules Bass e Arthur Rankin, Jr., notasse o que eu temia. Filmes e mais filmes infantis com temas como natal ou páscoa. Isso me botou com um pé atrás, mas felizmente existem várias menções desse filme como clássico ou hidden gem, e de brinde tem o nome de Christopher Lee no elenco. Não tinha mais desculpa.
O filme inicia com 2 caçadores falando de lendas e em como existe magia na floresta, e então um deles fala que ali habita o último unicórnio. Nossa protagonista do filme, a própria unicórnio, escuta a conversa, fica pensativa sobre ser a última de toda uma espécie e então… um rock opera???
Cara, como isso foi uma surpresa agradável. O desespero e os lamentos de ser o último unicórnio contados ao espectador numa música linda, com ótimo ritmo, que estranhamente mescla muito bem com as imagens semi-estáticas ao fundo, que visam trazer um tom mais de livro de fantasia medieval. O que faz sentido, pois o longa adapta o livro de 1968 de mesmo nome, escrito por Peter S. Beagle. E além do filme, o livro também se viu adaptado para peça teatral, audiobook e quadrinho.
Não posso atestar aqui a fidedignidade para com a obra original, mas acredito que a animação tome lá suas liberdades, especialmente em momentos onde o visual e músicas se destacam acima dos diálogos, por mais que o autor sejá o próprio roteirista. Além disso, o filme conta com diversos cortes e encaixes estranhos de trama, que me fazem perguntar se não existe um director’s cut. Mas no fim deve ser algo previsto para destacar somente o mais importante no enredo.
Algo que sim, incomoda, mas jamais faz o filme ser ruim. Num geral ele apresenta uma aventura bem divertida e incrivelmente séria, com diversos momentos adultos em meio a trama mais simples de se buscar outros unicórnios. O filme também está repleto de ótimos diálogos, talvez um tanto destoantes por serem claramente do texto do livro, e as dublagens num geral são muito satisfatórias, com destaque a Mia Farrow como o unicórnio, Angela Lansbury como a assustadora bruxa Mammy Fortuna e Christopher Lee como o icônico vilão Rei Haggar.
Mas nem tudo é para se elogiar. Temos escolhas questionáveis, como Jeff Bridges dublando o Príncipe Lir, alguns personagens pouco utilizados, e apesar de adorar as músicas compostas por Jimmy Webb, especialmente as da banda America, quando sai do grupo de rock a qualidade claramente cai. Em sua maior parte dá para ver o filme, mas tem 2 músicas em especial que me dão sono.
E ainda assim, eu acho que um enredo mais cantado seria melhor, puxando para outros filmes como Spirit. Sei que é estranho colocar um filme de 2002 ao lado de um de 82, mas ambos são bem parecidos na ideia de uma jornada quase às cegas, com muitos problemas e o rock opera detalhando a trajetória. Só que Unicórnio acaba tendo menos sons e cenários, e talvez esse último seja o maior problema.
As músicas podem fazer dar sono, mas ainda estão contando o ótimo enredo do filme. Já o problema com os cenários, ou atos se preferir, é que o filme parece só despencar. O início na floresta, que tem mais música, é super cativante, e depois o circo de Mammy Fortuna traz uma boa dose de drama, ação e novos personagens, mas é curto, com um desnecessário interlúdio com bandidos. Daí chegamos a parte do Rei Haggar, e o filme quase inteiro se passa nessa região, com cortes cada vez mais bruscos e alguns trechos difíceis de se entender. Menos música, mais drama, romance e um clima pra lá de sonífero.
O filme tenta trazer alguns pontos bem interessantes nesse caminho. Ele é bastante feminista, apesar dos diretores e autor, e claramente tem um que de preservação da natureza, com uma especie em estinção no destaque. Também rejeita diversos ideais dos seres humanos, e tem alguns diálogos afiados. Porém tudo é ofuscado pela clara “agilidade” que tiveram ao juntar tudo no filme.
E isso faz dele ruim? Longe disso, pois seria o mesmo que falar que Calderão Negro é ruim. No exemplo falo de um filme corrido e sem conclusão, mas que é muito divertido por conta de todas as demais partes. O Último Unicórnio me dá a mesma sensação, só que melhor. É um filme completo, mas com um monte de partes que parecem mal colocadas, que deveriam fazer o longa ser ruim, mas que no fim, após consumir tudo, seu único pensamento acaba sendo “que filme bonito, que músicas fodas”, e todo o restante que lhe incomoda já não tem mais tanta importância
Não diria que é um clássico, mas por tudo aqui experimentado, das animações, a dublagem, músicas e visual, certamente é uma hidden gem e um filme que merece ser visto, nem que uma única vez.