Valsa com Bashir – Guerra… a guerra nunca muda

Se você tem menos de 18 anos ou estômago fraco, peço que evite ler este texto ou ver o filme.

Esse é um filme que gosto muito mas que eu dificilmente recomendo, por mais que esse seja em parte o objetivo deste texto, e você logo vai entender. Principalmente se levar em conta interpretação, contextos atuais (2025), certas cenas marcantes e o final que infelizmente vou pôr numa seção com avisos de spoiler ao término do review.

Waltz With Bashir (Valsa com Bashir) é um filme que mostra um ex-soldado do IDF (Forças de Defesa de Israel), indo atrás de outros sobreviventes da guerra, pelo lado israelense, para lembrar seu papel na guerra do Líbano, em 1982. Onde o soldado em si é o próprio diretor, Ari Folman, que teve parte de suas memórias bloqueadas por PTSD (Transtorno de estresse pós-traumático) e assim partiu para fazer um documentário da forma descrita.

Para transpassar tudo ao espectador o filme usa de animação em rotoscopia, uma técnica que retraça filmagens reais, com flashbacks e outros pontos sendo feitos em animação tradicional ou com leve uso de CG. Quando a rotoscopia é usada em cenas “não 100% documentais”, o animador traça por cima de um ator fora de contexto e depois o insere no background desejado, como um campo de guerra, por exemplo.

Isso, mais a inventividade de Ari, cria cenas extremamente belas e ao mesmo tempo brutais. Não dizendo que seja um filme fácil de se ver ou que o todo apresente algo agradável. Como já disse, é brutal. Mas é inegável a qualidade tanto dos traços como da animação, daí algo belo, que soaria melhor não fosse por todo o resto que o filme passa.

Essa é a segunda vez que assisti Waltz With Bashir. Na primeira, alguns anos atrás, minha intenção também era de se escrever algo. Mas o filme me deixou tão mal que desisti de fazer qualquer coisa. Agora o revi com amigos, para ter junto a perspectiva deles, e tentar de certa forma aliviar o peso dele para minha psique. E ainda assim me senti mal com cenas leves, já premeditando o que teria de ver. Dores de cabeça seguiram e obviamente ainda veio um mal estar indescritível e a raiva a qual é impossível de não se ter.

Não é uma raiva apenas no contexto atual de Israel e Gaza, ou até mesmo o mostrado no filme sobre o Líbano ou outros conflitos israelenses. Óbvio que existe MUITA raiva em cima das ações deles, mas é algo mais generalizado o que sinto. Um ódio por toda e qualquer guerra e também pela natureza deplorável do ser humano. A qual é exacerbada aqui por serem relatos reais. Não pense que a animação remove o peso. Ela alivia sim, obviamente, mas não destroi o impacto.

Se for ver o filme se prepare para fuzilamentos, desmembramentos e outras crueldades. Que são relatadas pelas lembranças dos ex-membros da IDF, mostrando a merda que eles fizeram, mas nem sempre com eles se mostrando incomodados com as ações. Por um lado temos desertores, ou pessoas de atuação menores, no grupo de entrevistados. Mas mesmo esses o filme consegue transparecer um lado ruim.

Vale dizer nesse momento que o filme diversas vezes tem músicas animadas, segmentos de sonho surreais e trechos “divertidos”. Juntando o que falei no parágrafo anterior com isto é onde entra o lado da interpretação do que acabou de ser visto. Existem aqueles que vão ver o filme como algo favorável a Israel, como se Ari estivesse passando pano para si mesmo, os entrevistados e a guerra em si. Mas não consigo enxergar dessa forma e vejo o filme como um conto de advertência.

As pessoas entrevistadas podem ser uns merdas. Você pode até xingar o diretor por seus atos, não me importo, e seria raro achar quem discorde. Mas o filme tenta mostrar diversos pontos de vista, e sempre trazendo para o lado do desconforto, fazendo o espectador ter de confrontar esse lado cruel e tirar conclusões sobre o que assistiu, por mais que algumas eu considere erradas.

Se você prestar atenção nas músicas e nas animações dos trechos “divertidos”, dá para notar como tiram sarro dos soldados. Ao mesmo tempo que entra num tema recorrente de todo o filme, que seria a tentativa dos humanos de aceitar tais atrocidades. Imagine um passeio calmo, mas de tanque de guerra. Uma praia? Deite na areia e relaxe junto dos mortos. É uma forma de zombar, ao mesmo tempo que mostra o lado humano, cru, de tentar a todo custo livrar a mente da merda que está acontecendo.

O filme toca nisso com o PTSD do principal, com as pessoas nas boates enquanto tem guerra acontecendo, e também com os relatos imbecis dos soldados. Você não deve, de forma alguma, sentir algo por essas pessoas. Pelo contrário, o objetivo é mostrar o quanto que guerras são ruins. Tu pode até tirar nota por nenhum dos soldados levar um belo murro na cara, mas não acho válido só por ter musiquinha ou um bacaca falando merda. Quando todo o resto grita, GUERRA É UMA PORCARIA DESNECESSÁRIA.

Ao mesmo tempo diria que os relatos mostram bem a natureza humana em diversas óticas, por pior que seja engolir isso. E considero esse um filme válido, um filme bom, justamente por fazer o espectador sofrer ao ponto de detestar ainda mais esses conflitos. E eu sei, não parece algo “recomendável”. Tenho plena noção de que o texto não vai convencer muitos. Mas se você tem estômago e sabe interpretar coisas, que talvez não sejam muito claras, eu parcialmente recomendo o filme.

Sim, ainda não vou lhe dar um 100% nisso. Primeiro por não ter um conhecimento mais amplo sobre o conflito mostrado no filme. Recomendo fortemente que leia esse texto, em inglês com spoilers, para uma melhor colocação desses pontos, onde meu review fica numa análise mais “cinema”.

Além disso, temos de falar do final, o qual comentarei abaixo COM SPOILERS REVELANDO TUDO

Ao final do filme, obviamente, Ari relembra o momento mais devastador para ele. Seu papel no Massacre de Sabra e Chatila, que inicialmente consiste num sonho surreal onde ele acorda nú no oceano e segue para uma cidade sendo bombardeada e se depara com milhares de mulheres com véu correndo de um beco.

Quando esse momento é destrinchado ao espectador, temos um trecho de Ari lembrando que soltaram sinalizadores em cima da região. Ele não lembra se soltou o sinal, carregou munição ou somente ficou olhando. E então solta a seguinte frase: “Qual meu papel ali? De que isso importa”. E eu entendo perfeitamente a raiva naquele momento, pois tem 2 interpretações cabíveis. Ele não liga ou, a que me parece mais certeira, não importa o que ele fez, ele é um dos culpados.

Para contexto, falangistas libaneses ordenaram as forças de Israel a cercarem o perímetro e soltarem sinalizadores à noite, sem contexto. Isso não é algo descrito no filme, mas é um ponto que costumam associar ao  “Qual meu papel ali? De que isso importa”, tendendo para “Ele não liga”. No sentido de que ele foi um pau mandado que coitado, não sabia o que estava fazendo. Soltou os foguinho iluminando as passagens, sem saber que ajudava os falangistas a matar as pessoas. Só que essa interpretação descarta todo o resto do filme, indo para um lado mais de interpretação geral do massacre pelos israelitas. “Não participamos, só iluminamos”. Algo que ao meu ver descarta a chocante parte seguinte.

No sonho Ari lembra de pessoas com véus correndo de um beco. Após todo o mencionado, voltamos a essa cena, agora redesenhada para a conclusão, removendo os elementos mais surreais. Ari está ali na frente do beco, vendo pessoas fugir, e então pasmem – O filme corta para filmagens reais de um beco com tudo destruído, pessoas fugindo, chorando, gritando, e eventualmente cadáveres. Nada de animação aqui.

Se o restante do filme não lhe convenceu de que guerra é ruim, esse trecho nojento vai lhe dizer que sim, a não ser que você tenha problemas e goste de ver mortos desfigurados. Ao mesmo tempo que é um forte motivo para não se ver o filme, ou no mínimo desligar ou fechar os olhos quando mudar de animação para o real. Também caindo fácil em outro motivo para xingar o diretor, dependendo do impacto, do trauma.

Mas essa cena final, terrível, justifica o lado de “não importa o que ele fez, ele é um dos culpados”. Todos os envolvidos, direta ou indiretamente, são culpados. Até porquê da a entender que ele teve PTSD ao ver os mortos do massacre. Logo ele se sente culpado, tendo atirado ou não nessas vítimas específicas. Que é sim outro sentimento generalizado israelita, que pode ser visto de forma ruim também. “Somos culpados” mas cometem outras atrocidades, Ainda assim, esse me parece encaixar melhor.

E no fim de tudo temos de pensar que esse é um filme sobre Ari, o diretor, e não um geralzão de como Israel enxerga o conflito. O texto final pode ser uma réplica de como os israelitas se sentem, colocando de forma negativa ou positiva. Mas as atrocidades mostradas me fazem fortemente tender para o lado negativo.

Guerra é uma bosta, e fim. Desculpe pelo possível trauma. E não faça que nem eu. Esse é um filme para se ver uma única vez.

FILME: https://letterboxd.com/film/waltz-with-bashir/
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