Sirocco, esse é o nome dado a um dos ventos do mediterranio, que costuma surgir no deserto e pode levar consigo tempestades e tornados. Sirocco também é o nome de um filme de animação de 2023, dirigido por Benoît Chieux. E essas duas informações tem tudo a ver uma com a outra.
Sirocco and the Kingdom of Winds, ou se preferir Sirocco et le Royaume des courants d’air, é um filme franco-belga com visual impactante que se inicia com a criação de pequenos bonecos coloridos, que dançam sob o ar, e então corta para o mundo humano. Lá Agnès termina de escrever mais um capítulo de Sirocco, agora um livro ilustrado infantil.
Bate nesse ponto aquele cansaço de quem virou a noite escrevendo, que bem conheço. Mas para o azar de Agnès, e nossa alegria, a campainha toca e nossas protagonistas, Juliette e Carmen, entram em cena cheias de uma energia jovial. Agnés ainda precisa dormir e deixa elas sozinhas, e lá vem a farra.




Nesse curto tempo notamos bem a personalidade de ambas, com Carmen sendo a mais velha que tenta ser responsável, mas que ainda tem trejeitos infantis e um curto temperamento, e Juliette sendo uma completa pirralha, esperneando, sendo desastrada, enfim, uma típica criança. E é no meio de um desses chiliques que a garota acaba esbarrando num dos livros de Sirocco e começa a virar as páginas completamente hipnotizada pela beleza dos desenhos.
Um dos bonequinhos do início cai do livro e então Juliette e Carmen são transportadas para o mundo mágico de Sirocco and the Kingdom of Winds. E eu sei, eu já entreguei muito desse começo, mas acredite quando digo que é melhor do que diversas sinopses que não sabem nem o que cada personagem realmente é. Enfim, pra ter um gostinho inicial e querer ver Sirocco acho fundamental saber desse lado mais infantil e da mistura entre o real e o imaginário.
De forma mais seca eu colocaria o filme como um Crônicas de Nárnia, com o lance de crianças entediadas que acabam indo para outro mundo. Mas não faria jus à obra, apesar de ainda cair em tropes corriqueiros do gênero. E por um lado mais técnico diria que é um isekai de fantasia, e ficaria só nisso. Duas respostas que nada me agradam e fazem com que Sirocco pareça super chato. Só que basta olhar para todo esse visual exuberante, cheio de cores, para perceber que é uma empolgante aventura, que tenta ser diferente do seu próprio jeito.




E eu já digo, Sirocco é mágico, é especial, mas nem isso impede de o começo ser sua maior barreira. Não o que já descrevi, mas os primeiros passos no mundo do livro. É tudo bem surreal, mas ainda crível, principalmente dentro de uma animação. E você se diverte com as garotas virando gatos a lá O Reino dos Gatos, as casas balançando e o caminho até o centro da vila. Mas então somos surpreendidos com um grupo de anfíbios que parecem ter saído de Digimon e a coisa desanda um pouco.
O papel dessa parte é claro. Separar as garotas e apresentar Selma, outra protagonista. Mas o lance desse povo sapo é tão chato, genérico e infantil que você meio que só continua ali por conta da animação primorosa que nunca deixa a desejar. Além disso, nesse começo Juliette beira ao insuportavel e por vezes me distraí com o ambiente ao invés de focar no todo, e nem assim eu me vi perdido no enredo, que em seu centro é extremamente simples.
Isso que vou falar nem chega a ser spoiler, mas um complemento a sinopse pelos acontecimentos do livro, que bem… tu não precisa ser um gênio para notar. Crianças em outro mundo, separadas, e um mago onipotente chamado Sirocco. (Sim outro.) É óbvio que a trama gira em torno delas se reencontrarem e voltarem ao mundo humano. E a escolha do meio para o retorno claramente passa por Sirocco, visto o quão poderoso ele é.




Ah sim, o nosso quarto Sirocco. Como pude esquecer dele. Ou deveria dizer o primeiro, segundo e terceiro? Enfim. Sirocco é um mago que pela lore do livro pode controlar ventos e causar tempestades terríveis. Sim, ele mora num deserto. Daí que vem o parágrafo inicial. Sirocco é basicamente uma representação desses ventos, e não é o único ponto assim durante a trama.
A já mencionada Selma mesmo é uma cantora de ópera, então já podemos traçar uma ligação à soprano Selma Kurz, inclusive notando similaridades na roupa. Porém isso é mais um achismo que qualquer espectador poderia ter. Enquanto a identidade de Sirocco segue extremamente clara, e ainda assim ele é o personagem mais enigmático de toda trama.
Verdade, devemos voltar ao filme. Uma das garotas então se encontra com Selma, que como já disse é uma cantora de ópera em Sirocco, agora o mundo. Ela também tem ligação com o mundo real, apesar que de forma diferente, e serve como uma espécie de guia da aventura, além de uma figura mais adulta para cuidar das crianças e um dos pontos centrais da trama.




Infelizmente aqui eu devo parar de descrever o enredo, se não vocês vão ficar sem nada. O plot realmente é simples, mas ao mesmo tempo agradável e eu diria que o legal não é a história em si, crua, mas como ela é contada em meio a essa animação tão única e primorosa.
O estilo é claramente europeu, com um quê de alternativo, e inspirações claras no trabalho de Hayao Miyazaki na Ghibli. Além disso, partes do cenário tem como base o famoso Mœbius. E o filme O Submarino Amarelo, aquele da música dos Beatles, fecha o filme, quase que literalmente, com o clímax sendo bastante influenciado por ele. Fora momentos que lembram filmes do Mamoru Hosoda, o desenho Adventure Time ou clássicos do Dr Seuss.
Mas mesmo com um estilo tão marcante e animações fluidas, para mim o que mais chama atenção é o som. Desde as belas músicas de Selma, até o simples soar dos ventos nas areia. É tudo um espetáculo sonoro que eleva muito a obra.




E no fim, a junção de todos esses elementos que cria um filme tão prazeroso de se ver. Lógico, eu não o colocaria como um 10/10, mas ainda assim é um must watch. Uma obra que tem de ser consumida. Se não pelo seu estilo primoroso, ao menos pelo seu status de hidden gem. Um verdadeiro achado, que infelizmente poucos viram.
Se é um fã de animações, faça um favor a si mesmo e assista Sirocco. E quem sabe nessa onda já não embarque dentro do cinema francês de animação, que é tão maravilhoso. Se desprenda do mainstream, e voe livre como Sirocco.
Ah, e Sirocco no árabe se escreve Ghibli. Fazendo com que no fim, todos os Siroccos façam muito sentido.