On the Screen: Allegro Non Troppo – A Fantasia italiana que supera o original

Às vezes é interessante ver filmes simplesmente por ver, sem um grande motivo por trás da escolha. Esse foi o caso de Allegro no Troppo, um filme de animação italiano que eu resolvi ver simplesmente por ser italiano e para somar mais um número na minha lista de animações do Letterbox.

E fazer algo assim pode resultar em algo catastrófico, como ver uma bomba daquelas que tem poder de arrasar seu dia de tão ruim. Mas em outras, pode ser que o filme surpreenda e preencha algum tipo de vão que ainda sobrara na sua coleção de memorias. E mais raro ainda, pode este vir a ser um dos filmes da sua vida. Daqueles que dá orgulho de ter assistido.

E eu tenho orgulho de ter visto Allegro no Troppo. Ainda estou indeciso se este realmente é um dos filmes da minha vida ou uma surpresa tão grande que se sobressaiu a toda e qualquer expectativa, ganhando no fim pontos extras pela originalidade.

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Um sentimento que vem logo do começo da obra. Não temos animações, mas sim live action. Pessoas atuando ainda em preto e branco, com um micro enredo focado em sarcasmo e críticas sociais. Então, descobrimos ser uma espécie de parodia de Fantasia, o famoso filme daquele que cara com nome que parece Walter Edisley. Uma das primeiras piadas do filme, que seta bem do que se trata toda obra.

Então temos um apresentador ditador que parece muitas vezes falar sozinho em loucura constante, um desenhista escravo perturbado e criativo, um maestro bufão violento e uma orquestra de velhas prisioneiras.

A ideia é ter orquestra e desenho juntos, igual Fantasia, mas com o desenhista fazendo tudo ao vivo, sem edição. Não é o caso, obviamente, mas isso acaba criando ideias únicas, algumas que surpreendem muito por se tratar de um filme dos anos 70 e de um pais pouco conhecido por animações.

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Ao entrar nas animações, o desenhista cria mundos então coloridos, destoando completamente da parte mais real, que se focam em contar histórias no ritmo de peças musicais clássicas. O resultado e algo vibrante, com muitos momentos surrealistas e ainda mais críticas a natureza humana. Chegando ao pessimismo, mas ainda assim apresentando tudo de forma bela e agradável.

Com isso o filme vai alternando entre as partes IRL de comedia e os desenhos orquestrados, e nisso acaba superando muito ao meu ver Fantasia, por trazer algo mais adulto, apesar de ainda apresentável a crianças, e principalmente por conta da alternância que gera um intervalo que quebra aquela constante de músicas seguidas de músicas a qual faz Fantasia ser um tanto difícil de acompanhar. Ao menos pra mim aquilo dava sono, e nunca consegui ver o filme da Disney em uma leva.

Já Allegro foi fácil de ver justamente por conta dessa troca de cenário. E a medida que o filme avança, notamos que o que antes parecia ser um micro enredo ganha volume, e muitas das peças animadas complementam a parte com atores, ao ponto de termos inclusive desenhos, ou personagens dos desenhos, ganhando vida e se misturando aos humanos.

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E até aqui tudo soa muito fantástico, mas tenho algumas ressalvas similares ao que falaria sobre Fantasia. Primeiro, o estilo de animação é bem único e experimental em algumas peças, se utilizando inclusive de outras técnicas, como rotoscopia e stop motion. Por um lado, acho isso fantástico, mas por outro sei que é um dos pontos que vai afastar muitos espectadores, por ser bizarro demais.

Ao mesmo tempo, nem todos os curtas são de fácil interpretação e a música permanece constante, sem falas, o que pode causar um grande incomodo. Não é um musical padrão, mas sim o que bem disse no começo. Desenhos que acompanham um ritmo. E no mais, caso não goste dos intervalos com pessoas, e inevitável que boa parte do filme vai ser um pé no saco.

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Com tudo isso quero dizer que Allegro Non Troppo não é um filme para todos. Talvez você queira ver ele por partes igual eu fiz com fantasia, o que é bem possível, ou simplesmente ver uma ou outra das peças animadas, se se comprometer ao restante do filme. Eu particularmente acho que a melhor e mais enriquecedora forma e ver o filme na integra, assim notando como tudo se encaixa, porem agora vou me ater a descrever as partes animadas para os demais. Dito isso, aqui acabo o meu review de Allegro com um sonoro “vão assistir”.

Agora se realmente quer so ver partes ou busca conhecer cada animação antes de se decidir se verá ou não, ai segue minha descrição de cada uma. Lembrando que terá spoilers, pois é inevitável nesse ponto. E você verá na integra minha interpretação, a qual pode desviar muito da sua. Tenha esses fatos em mente.

ANIMAÇÕES

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Ok, o primeiro “curta” segue ao ritmo de Prélude à l’après-midi d’un faune, de Claude Debussy. Nele acompanhamos um velho Sátiro que busca um amor e assim parte a perseguir jovens ninfas, e para isso constantemente tenta alterar sua aparência para algo mais jovial.

A animação segue com um estilo mais erótico e com coloração meio aquarelada e possui um tom constante de comedia, que lembra desenhos mais infantis. Ele trata, obviamente, da obsessão do homem pelo sexo e juventude.

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O segundo “curta” vai ao ritmo de Slavonic Dance No. 7, Op. 46, de Antonín Dvořák. E esse pode realmente ganhar o título de curta, sendo possivelmente o menor seguimento do filme, aqui seguindo uma estrutura que lembra muito o sarcasmo de revistas como a MAD.

Na animação um homem começa a se desvencilhar dos outros, criando cada vez mais cenários para se isolar ou se mostrar diferente do rebanho. E uso essa palavra com ênfase, pois sempre que ele cria essas situações os demais seguem à risca. Assim criando algo muito engraçado e que, apesar de ser um desenho dos anos 70, cai muito bem como uma alegoria a certos líderes da atualidade. Mas no filme em si, é uma ofensa direta ao maestro.

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Já o terceiro “curta” pega o Boléro de Ravel, de, bem… Maurice Ravel. Sendo esse o seguimento mais famoso, ilustrando pôsteres e capas do filme. E que se inicia com uma transição direta do real para o imaginário, com um maestro arremessando uma garrafa de Coca-cola que cai no meio do nada e desencadeia uma serie constante de evoluções.

De início vemos uma criatura sem forma, saído da ”soda primal”, que se auto remodela constantemente, então passando para segmentação em diversas criaturas que vão de encontro a predação e evolução como meio de escape a predação, assim surgindo a seleção natural e dando início a um constante acasalamento, sempre a cada novo ato segmentando e evoluindo cada vez mais.

Isso por fim culmina em criaturas gigantescas, similares aos dinossauros, partindo numa marcha constante e sendo eliminadas aos poucos por constantes alterações no planeta, com destaque a um indivíduo, um macaco, que sempre se sobressai, de forma abominável, em cada uma das situações.

A animação nesse caso mostra a evolução das espécies, a supremacia humana e como o homem vai aos poucos destruindo cada vez mais a natureza em prol do progresso. No fim, temos o primeiro personagem a transcender do desenho para o real.

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Na quarta parte, Valsa triste, de Jean Sibelius. Uma animação bem soturna, que mostra um gato escalando a última parede de um edifício e vivenciando em memoria os tempos áureos de uma vila. Aqui com pessoas de verdade projetadas de forma transparente no desenho para dar sensação de espíritos e reforçar a ideia de memoria.

Esse é outro seguimento bem curto, com um final bem triste. Ainda assim talvez o mais fraco do filme. Vale notar que a parede do edifício em diversos momentos parece uma lapide.

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Na sequência, Concerto in C major, RV 559, de Antonio Vivaldi. Aqui fazendo uma mescla de animação clássica com rotoscopia, em algo mais leve e vivido, provavelmente para se sobressair a melancolia do último seguimento.

Enredo simples, de uma abelha querendo jantar e relaxar, mas que não consegue, pois um casal de humanos busca fazer o mesmo, e num ato de romance e tensão sexual acabam destruindo a natureza envolta. Possivelmente querendo mostrar que o mais mínimo de nossos atos gera alguma consequência ao mundo.

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Na penúltima sequencia temos The Firebird Suite, de Igor Stravinsky. E se antes tivemos a seleção natural, agora é a vez do mito de criação, assim iniciando a animação com cenas de stop motion que se utiliza da argila para exemplificar a criação do ser humano. No caso, Adão e Eva.

Quando estes são criados eles se encontram nus, no vazio, e logo a serpente da tentação chega com o fruto proibido. So que temos aqui uma brilhante inversão, onde Adão e Eva recusam a fruta e a serpente prova de seu próprio veneno, digamos.

Ao engolir a maçã a serpente e transportada a um mundo quase alucinógeno comandando por demônios, e numa sequência extremamente rápida, quase impossível de se tirar um print em contexto, vemos deslumbres da vida moderna envolta de pecados como ganancia e luxuria. Criticando assim todo o modo de viver do homem, enfatizando como gostamos de coisas inúteis.

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E para o grã finale, o epilogo, temos uma espécie de Igor a lá Frankenstein, procurando o final perfeito. Essa peça especifica não fica bem se vista individualmente, mas so para registrar, nela pulamos entre as músicas Hungarian Dance No. 5, de Johannes Brahms, Toccata and Fugue in D minor, de Johann Sebastian Bach, Hungarian Rhapsody No. 2, de Franz Liszt, e novamente Slavonic Dance No. 7, Op. 46, de Antonín Dvořák. Fora outras músicas não listadas.

E é isso, esse é o todo de Allegro Non Troppo, tirando a parte real que basicamente mostra figuras ditatoriais judiando das pessoas e um pobre e apaixonado desenhista. Eu ainda reforço que é melhor ver o filme inteiro, mas a escolha é sua. Só espero que no fim se divirta.

Texto publicado originalmente em 22/04/2020

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