Ao buscar reviews sobre The Glassworker (شیشہ گر / Sheesha Gar) fiquei impressionado em como tratam esse filme igual aos recentes casos de IA. Para se ter um contexto, o ano é 2025, início de Abril, e a Open Aí roubou o famoso Studio Ghibli, ao fazer seu programa ser treinado com artes dos filmes do estúdio sem permissão, assim criando de forma ilegal um gerador de imagens estilo Ghibli.
Já o filme desse texto em questão também copia o estilo Ghibli, e é daí que vem minha comparação. Pessoas odiando a Open AI e pessoas odiando The Glassworker. Só que no primeiro caso eu acho mais do que justo, e no segundo eu vejo como birra de fã. Pois existe uma diferença tremenda entre esses dois usos do estilo.
Para começar, o filme The Glassworker demorou 10 anos para ser feito, tudo em arte tradicional, sendo o primeiro grande filme de animação paquistanes. Pessoas, e não IA, deram o máximo de si em um trabalho árduo, num verdadeiro projeto de paixão.




O filme conta a história de Vincent Oliver em diversos tempos, passando por infância, adolescência e vida adulta, só que de forma não linear, intercalando momentos importantes para contar um enredo que vai bem além de seu título.
Glassworker, do inglês vidreiro, é o nome de uma profissão que envolve justamente fazer vidro, aqui indo mais para um artesão que fabrica belas peças. Desde vasos até estátuas, tudo a partir de vidro. Um trabalho lindo, mas também árduo, que é mostrado de forma absurda ao decorrer do longa. Ao ponto deu dizer que esse é o “Ghibli food” do filme. Um elemento super detalhado que te deixa de boca aberta, apesar de aqui obviamente eu estar falando de surpresa e admiração, e não fome.
Lógico que, esse não é o único ponto de impacto na animação, apenas um exemplo de algo elevado por vezes mais do que o necessário, mas que no fim agrada a todos. Com a diferença de que aqui isso condiz com o filme no sentido de ser um elemento importante e não uma característica visual repetida em diversas obras de um estúdio.




Eu diria inclusive que é possível colocar toda a animação desse como “ponto de impacto” justamente por ser algo que copia a Ghibli de forma tão bela, mas não sem seus problemas. Certos trechos, talvez pela inexperiência dos animadores ou atores, não parece ter a reação desejada. Algo que também pode ser uma característica das pessoas da região, ainda mais exacerbada pelo fato de o filme centrar-se numa região do Paquistão. Algo que infelizmente não temos como interpretar pela falta de contato com a cultura deles.
Vendo o review de paquistaneses não se nota uma clara rejeição a esse ponto levantado, mas ainda assim percebe-se um certo desconforto da parte deles com o filme. Indo novamente para o lado de cópia do Ghibli, mas não pela animação ou visual, e sim simplesmente pelo “filtro” aplicado digamos. O filme não tem cara de algo do Paquistão, tendendo para um lançamento mais internacional que se fere em especial por descartar a arquitetura dos locais.
Existem obviamente trechos bem culturais, como alguns dos alimentos mostrados e vestuário. Mas mesmo sem ter muito conhecimento sobre o Paquistão fica um ar de que algo está errado. O lance do Ghibli obviamente levanta isso, mas não é o principal motivo. Os nomes dos personagens mesmo já remetem a algo estrangeiro, como o já mencionado Vincent Oliver. Ainda assim, os secundários me parecem manter nomes tradicionais, como Malik Khan.




Personagens principais terem nomes americanizados ou de leitura mais simples é uma tática bem comum na hora de internacionalizar. O visual certamente entra nisso também, mas consigo ver ele talvez como um desejo de replicar algo que gostam. Afinal é Ghibli, um dos mais famosos. E ninguém reclamaria se fosse num estilo mais Disney ou até CalArts eu imagino.
Geoffrey Wexler é o responsável por essa parte, um produtor do Mano Animation Studios. Ele já tinha trabalhado anteriormente para o Studio Ghibli e trouxe consigo ideias e possivelmente técnicas para que isso fosse realizado. Lá ele foi produtor de Vidas ao Vento, O Conto da Princesa Kaguya, As Memórias de Marnie, Da Colina Kokuriko e Memórias de Ontem. Isso entre 1991 e 2014, tratando em parte do lado americano dos lançamentos.
Logico que existe também a parte técnica, onde entra o diretor de animação Aamir Riffat, outros membros da parte visual, e tudo se junta sobe a direção fantastica de Usman Riaz, que assina também o roteiro ao lado de Moya O’Shea. Sendo esse um projeto de paixão desses nomes listados e vários outros. Podendo ser interpretado como uma homenagem ao Ghibli.




Mas voltando a impressão dos paquistaneses, eu realmente vi muitos detestarem a arquitetura. O filme, novamente repito, se coloca como tendo ocorrido no Paquistão. É uma cidade inventada, num estado não existente em conflito com forças nunca reveladas. Definitivamente ficção para não atrair problemas, talvez, para locais reais. Mas a arquitetura poderia muito bem refletir o país, e ainda assim optaram por replicar cenários da renascença alemã, de acordo com reviews que li. Pessoalmente eu consigo enxergar algo do oriente medio, em cenas raras ou indo frame-a-frame, com muito da obra me remetendo realmente a Europa.
Eu particularmente acho bonito como se dá todo o visual do filme, e estaria tranquilo com qualquer que fosse a escolha arquitetônica. O Paquistão tem alguns locais muito bonitos, que dariam um ar de fantasia tão bom quanto o escolhido. Mas novamente nós voltamos à questão internacional, e logo você vai entender porque me alonguei tanto nesses pontos.
The Glassworker a princípio é apenas uma história de romance juvenil, que mostra como Vincent Oliver e Alliz Amano começam suas relações a lá Romeu & Julieta. Vincent é de família pobre, de artesãos, e Alliz vem de um lar rico, com família militar. Mas o maior empecilho são os pais. Tomas Oliver é um pacifista que abomina a guerra, e por isso é desprezado por todos da região, em especial Colonel Amano, o líder militar e pai de Alliz.




O que no início é apenas algo político logo se transforma em um filme de guerra dramático, com diversos momentos impactantes, onde o título original do filme se encaixa de forma ainda melhor. شیشہ گر, de acordo com o tradutor, significa vidro caindo. “O Vidreiro” pode ser mais comercial, mas vidro caindo ou se estilhaçando revela a verdadeira natureza do longa.
Um filme calmo, que vai avançando como um aperto no acelerador. Ou seja, cada vez mais ele se modifica até chegar ao máximo, o ponto de maior impacto, mostrando assim toda a brutalidade da guerra. Mas até chegar lá passamos por memórias de infância, romance, hobbies, bullying, política, preconceito, e assim vai. Sempre de forma não linear, onde trechos se misturam do passado e presente.
Esse enredo é, ao menos para mim, o ponto forte do filme. Muito mais do que o visual, que se atrapalha as vezes nos frames. Por mais que a dublagem e atuação por vezes afete a nossa percepção da trama*. E tudo muito bem escrito, talvez com exceção do lado fantasioso da obra. O Djinn.
*Nota: Eu assisti o filme em Urdu. Existe dublagem oficial, do mesmo estudio, em inglês.




Basicamente, Djinn é outro nome para Gênio, igual o da lâmpada de Aladdin, mas que aqui toma a forma de um espírito sem corpo que habita uma caverna. Ao decorrer da trama não sabemos se ele é real ou um fruto da imaginação do protagonista, e próximo ao final, sinceramente, não sei bem o que pensar.
Até existem teorias na minha mente de quem ou o que ele possa ser, como por exemplo a mãe de Oliver que é falecida desde antes do longa começar. Mas nada é muito claro, e quanto mais o filme insiste nesse subtema, menos você o entende. Sendo este uma barreira maior do que a já mencionada não linearidade.
O lance de ser referido como espírito pode ser novamente para internacionalizar, mas o resto me parece simplesmente mal pensado. Não tem tanto impacto e consigo imaginar o filme seguindo normalmente sem esses trechos ou no mínimo ficando melhor ao cortar alguns destes e talvez inclinar para algo mais simples e direto, como o fantasma da mãe. Pois acho que já complica o suficiente ao espectador tradicional as misturas de tempos.
No fim Glassworker brilha com seu discurso anti-guerra, romance terno, peças de vidro e forte drama. Mas peca ao talvez tentar mais que o necessário, em parte no seu visual, pontos desconexos do enredo e em certos momentos da dublagem. E ainda assim só consigo enxergar a obra como um belo filme, com ótimos personagens, que me tocou mais do que eu esperava, e portanto uma forte recomendação. Por mais que eu entenda certas pessoas virando o rosto para um filme com esse tipo de produção.
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