My Hero Academia é mais do que um “Shounen de Lutinha”

My Hero Academia (Boku no Hero Academia) é um mangá muito importante pra mim. Pois foi por conta dele que eu voltei a ler numa época que me vi travado, apenas seguindo com os que já acompanhava a anos, como One Piece, mas sem jamais embarcar numa leitura nova que me agrade. 

Nesse tempo, antes do retorno aos mangás, eu tentei ir atrás dos quadrinhos americanos para ver se retornava essa minha vontade de ler. Dentre os super herois, infelizmente, eu me deparei com quadrinhos que me incomodavam bem mais do que os mangás, salve uma história ou outra dentro de suas runs gigantescas.

A vontade de fato retornou, ao menos na leitura como um geral, mas por ir atrás de obras longe dos herois tradicionais, como um Hellboy ou The Goon, se não mergulhando nas graphic novels tal qual a de Sr. Milagre ou indo forte atrás de tudo que não fosse supers, saindo um bocado inclusive das americanas para o conteúdo nacional e europeu.

Essas 3 que citei não me recordo se li na época mencionada, mas são bons exemplos pro que quero destacar. Quadrinhos de super herois são muitas vezes episódicos, com os mencionados seguindo uma linha mista ou entrando 100% em algo sequencial. Resumindo, foi nessa época que eu notei que detesto obras episódicas, talvez tirando as de comédia. E mesmo assim minha atenção fica mais retida se tiver algo contínuo na trama, mesmo que espaçadamente. Eu amo Bob Esponja, por exemplo, mas eu jamais aguentaria ver vários episódios em sequência. Já com Nagatoro-san, que tem trechos mais sequenciais, eu lia vários capítulos de uma só vez.

Porém ao mesmo tempo que eu notei essas minhas preferências eu me dei conta de como eu adorava o conceito de super herois. Nos quadrinhos eles não me animavam, mas eu recordava de como eu curtia as séries animadas, principalmente X-Men Evolution. E acho que todos esses fatores foram decisivos para eu ir atrás de My Hero e gostar tanto. Afinal, é um grupo de herois, meio mutante, meio metahumano, numa escola de supers, com tudo sequencial e no traço de mangá que eu tanto amo.

Sei que o começo é a kriptonita de muitos. O pessoal parece odiar o Midoriya (Deku), o protagonista, toda hora chorando, caindo em prantos, e tem quem deteste o estilo escolar, principalmente na gincana e o torneio que se dá logo cedo. Mas eu fui pelo caminho completamente oposto, amando cada detalhe. A parte escolar nunca me incomodou, e pelo contrário, me fisgou pela criatividade. em certos momentos me lembrando um pouco o Togashi em Hunter x Hunter. Podem discordar de mim nessa, mas foi minha impressão. Talvez por eu ter começado a leitura tarde, já tendo essa parte toda completa. Às vezes o lançamento semanal pode ter atrapalhado, ou posso somente estar dando uma opinião impopular.

A questão é que acho que esse começo funciona muito bem para apresentar cada personagem, e temos realmente muitos. Quase toda a classe A-2 e alguns personagens de outras são colocados em foco, com já nesse início definindo detalhes que vão afetar a história capítulos a frente, como por exemplo os poderes de Shinso (MindJack) ou Monoma (Phantom Thief). 2 coadjuvantes que retornam em momentos chave.

Quanto ao Deku, eu adoro ele e o acho um dos melhores protagonistas de shounen. Falo isso pela forma como ele é escrito. Um quadrinho com um personagem chorando e parecendo fraco quase o tempo todo é Deadman Wonderland. E nele as pessoas o justificam pela situação aterrorizante. Mas se você parar pra pensar, Boku no Hero é tão light assim? Obvio que ele tem toda uma roupagem bonita, com herois e esperança, sem mortes constantes. Mas o Deku passa por muitas situações extremas, ao ponto de que um dos últimos diálogos da obra fala exatamente sobre isso. Sobre o mundo caótico e torturante dos herois.

Deku chora por tentar o máximo e no início ter poucos resultados, com alguns bem negativos. O protagonista não possui quirk, o equivalente a poderes neste mundo, e recebe o One for All, do lendário heroi All Might, assim herdando seus poderes e seguindo para virar um heroi. Porém seus contemporâneos possuem quirk desde de o nascimento e já tem treino de como usar a habilidade até certo ponto. Portanto, Deku entra tarde num mundo onde ele precisa dar tudo de si para não ficar atrás, com um poder que ele mal tem ideia de como utilizar da forma correta.

Sim, seu poder é algo simples em teoria. Super força. Noutra mídia ele teria de se preocupar em não arrancar portas, enquanto aqui é mais complicado. Seu corpo não aguenta todo esse poder, e ele não sabe como extrair a quantidade perfeita para evitar lesões. Isso faz com que ele tenha de ajustar sua força para não ferir letalmente e para não estraçalhar seu próprio corpo. Fazendo de Deku então um glass cannon. Seu poder pode virar uma luta, mas a um custo muito alto. Assim, por vezes ele quebra todos os ossos de seus braços e outros membros, com lesões graves que podem talvez o impossibilitar de seguir em frente.

No topo disso temos os treinamentos árduos para virar heroi profissional, a necessidade de superar seus rivais e alcançar um patamar quase impossível, o de heroi número 1, e o constante embate contra vilões terríveis que não vão se segurar perante as regras do dito heroísmo.  Então sim, eu acho justo, e completamente dentro de contexto, o Deku chorar tanto. Até porque isso é uma fase inicial. O personagem passa ao decorrer da obra por constantes desafios e vai crescendo cada vez mais, até o ponto de deixar tais trejeitos, que o fazem parecer fraco, para trás. Deku é a personificação do esforço, vindo de alguém considerado inferior pela sociedade. Quirkless como chamam. Algo que no fim faz esse garoto chorão se tornar um símbolo de esperança, tanto para os com e os sem poderes.

É legal pra caramba pegar e destrinchar um personagem assim numa análise, mas boku no hero não é feito somente da jornada de Deku. Temos o rival Bakugou que tem um terrível temperamento, e que judia muito de Deku, mas que no fim se mostra um dos maiores herois, superando um grande complexo de inferioridade. Todoroki com seu jeito quieto, quase de vilão, de afastar os outros, que nos apresenta um conflito familiar terrível e a necessidade de seguir a todo custo um caminho trilhado pelo pai, para depois finalmente entender o verdadeiro rumo de sua vida. Uraraka, uma garota doce que quer seguir um caminho sem atrito, mas que dá o máximo para salvar a todos, aliado ou inimigo, mesmo que exija combate. Pois em sua origem pobre, ela desejou jamais ver outros com tristeza no rosto. Um sorriso e a compaixão são suas maiores armas.

Isso são apenas exemplos de alguns personagens que tiveram forte destaque, mas eu poderia citar muitos outros com um impacto grande, seja em um trecho ou arco dedicado. Como por exemplo All Might, Endeavor, Ida, Mirio, Eraser, Kirishima, Ashido, Fat gum, Tokoyami, Hawks, Gentle, Gran Torino, Nighteye, Aoyama, etc, e eu poderia continuar aqui citando milhares de outros personagens, não só favoritos, e incluindo a maioria dos vilões, pois muitos deles são tremendamente bem escritos. Ao ponto de que um dos personagens que mais gosto é justamente o Bubaigawara (Twice), membro da Liga dos Vilões.

Óbvio que nem todos têm esse capricho, e alguns como Ojiro (Tailman) e Sato (Sugarman), não apresentam quase nenhum desenvolvimento, mesmo sendo da classe principal. Ainda assim, a quantidade grande de personagens com a qual o autor consegue trabalhar e de se admirar, e esse detalhe estender aos vilões é muito bom, fazendo com que eles não sejam seres unidimensionais só planejando o fim do mundo. Para cada ato, existe um forte desejo ou emoção por trás que fazem eles ressoarem com o leitor. E com isso não falo de você gostar deles como “queria como amigo” ou “penso igual”, mas sim como “entendo porque ele chegou a esse ponto”. Com alguns tão bem trabalhados, que você não consegue fazer nada se não sentir o mesmo sentimento do heroi “talvez se eu o tivesse conhecido antes, não chegaria nesse ponto.”

Essa inclusive é uma frase super importante na trama, pois o mangá constantemente dá ênfase nos professores, mentores, amigos e família como a fonte que define o rumo de cada um. Aquele velho papo de que más influências podem descarrilar sua vida, mas com foco maior no contraponto de que boas influências salvam vidas. Um professor é mais importante que um ídolo. Um bom relacionamento familiar é mais importante do que uma meta. Um amigo é mais importante do que uma competição.

Além disso, o mangá traz ótimas conversas sobre racismo, principalmente nos heteromorfos, como Shoji (Tentacole) e Spinner. Um pouco sobre bissexualidade com Toga. A importância de certas profissões como iguais ao termo heroi. O fundamental de ajudar os outros, mesmo desconhecidos. A importância, e os males, que podem vir de símbolos, como Hero Killer e Tomura Shigaraki. Ou até mesmo All Might e Endeavor. A esperança como fonte de coragem. Entre muitos outros temas que vão acima de só um simples “shounen de porradinha”.

Não que eu esteja colocando tudo isso acima dos combates. Acho que ambos fazem a obra ser assim tão boa, e lógico, eu acho as lutas do caralho. Tipo, muito foda mesmo, ao ponto de você ficar vibrando junto. Muitas vezes parando para admirar o traço impecável de Horikoshi Kouhei. Que em certas cenas vai a um nível tão alto, justamente pelo impacto, que abre aquele sorrisão de um lado ao outro do leitor, fazendo sempre o hype transbordar!

Mas temos de falar desses pontos, pois nenhum quadrinho que é só “ver figuras dando soco” chega a esse patamar. Sempre tem de ter algo a mais, uma cola em forma de tema que une tudo o mais perto que se pode chamar de perfeição. Seja filosofando sobre certos assuntos, mostrando um drama forte, conflitos de ideais ou emoções à flor da pele. Esses pontos enriquecem a história, por vezes mais do que um traço forte. Mas se juntos, aí sim que temos uma obra prima como Boku no Hero Academia.

Mesmo assim, não pense que a acho sem defeitos. Tem partes difíceis de entender, muito texto expositivo, quebras de ritmo estranhas, personagens mal utilizados e outros simplesmente apagados. O já mencionado Fat Gum é um deles. Adoro a ideia de um heroi gordinho que num momento de crise transforma calorias em força. Mas depois de sua grande luta no arco da máfia, ele vai cada vez mais sendo colocado em escanteio, ao ponto que em certo momento achei que ele tinha sido morto off screen. O problema não é nem a falta de uso, mas a forma como ele é encaixado na trama. Talvez sendo preferível que ele nem tivesse tido tempo em quadro, tirando seu grande momento ou sendo mentor de Kirishima.

E ainda assim, olhando o todo, eu não consigo ver esses detalhes como algo que atrapalhe a experiência ou estrague a obra. Pois por mais que eu enxergue um negativo ali, outro positivo, às vezes na mesma parte, se sobressai. Um bom exemplo disso é o prólogo. Eu acho que cerca de 10 capítulos para isso é muito, mas no fim fechou vários pontos que eram necessários. Ainda excluiu outros? Sim. Mas Horikoshi realmente focou no que mais precisava, no fim até me fazendo questionar se não seria melhor um prólogo ainda mais estendido. No fim fazendo minha indignação se mostrar superficial. E detalhes não mostrados acabam que são pontos já subentendidos.

Com o final de Boku no Hero Academia, fica muito aquele desejo por mais. Em alguns é por não mostrar algo que o fandom fortemente desejava, em outros é por querer ver os anos até a formação dos personagens, e muitos vão implorar por uma continuação pós timeskip, para ver os herois com habilitação oficial em novas tramas, já adultos. Eu mesmo me encaixo nesse último grupo, mas ainda assim me vi tremendamente satisfeito com o geral da obra. Se quero mais, é justamente porque foi tão bom. Nenhum mangá que acaba de fato ruim ou se perde no meio da jornada gera esse sentimento. Deku e sua turma marcaram fortemente uma geração, e eu agradeço muito ao Horikoshi Kouhei por ter dado o máximo de si, nos trazendo tantas emoções ao longo dessa jornada.

Esse texto é dedicado ao meu amigo, Vinicius Moura, o maior fã de Boku no Hero Academia. Descanse em paz. Plus ultra!

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