Eu sempre gostei muito dos desenhos da DC, em especial do Liga da Justiça Sem Limites, pois apresentava novos heróis e vilões, e pra uma criança isso era o máximo. Por mais que a maioria fosse classe B ou C, com alguns aparecendo em poucos episódios, se não apenas um, ou pior, só dava as caras num momento rápido que mais parece um easter egg.
Um desses que aparece menos, mas rouba o show, é o herói detetive paranóico chamado Questão. Eu adorava a ideia, do homem sem face. E diria que fiquei ainda mais empolgado ao ver ele como referência na criação do Rochard, de Watchmen, que é um personagem super interessante, por mais que exponha alguns lados errados do ser humano.
E essa é basicamente toda minha exposição ao personagem, por anos. Eu leio muitas HQs, apesar que numa margem bem menor que mangás, e raramente via o Questão em cena. Às vezes ele era plano de fundo, às vezes alguém como o Batman falava com ele e levava uma porta na cara, outros vezes por algum motivo… ELE ERA A MONTOYA*???
*So pra contexto, não sou contra mudanças em personagens. É so que eu sempre conheci a Montoya como a policial de Gothan, e do nada ver ambos, ela e Questão, misturados sem contexto, foi estranho. Pois é uma era da DC que pulei por completo, ao menos se tratando das aparições do Questão.
Mas nunca tinha algo ali focado nele, ao menos no que busquei ler. E eu poderia ir atrás de algo perto. Detetives. Talvez um pouco de Spirit caísse bem. E na verdade por um tempo eu fiz isso, tendo algumas histórias na estante. Mas o Questão mesmo nunca saia da minha mente, e lá pairava a questão de onde estaria o Questão. Será que um dia eu realmente leria algo protagonizado pelo homem sem face?
Eis que surge no selo Black Label da DC com a história Questão: As Mortes de Vic Sage, em 2020. Um ano depois sai no Brasil e… eu não vi sair. Enredo do Jeff Lemire que eu adoro, autor de Sweet Tooth. Mas não, nada. Ilustrado por Denys Cowan e Bill Sienkiewicz, que fizeram um bando de HQ que adoro o visual… e é, vocês já sacaram. Não li, deixei passar. Nem as cores fenomenais do Chris Sotomayor me fizeram enxergar o HQ.
Seria uma bela questão pensar onde minha cabeça estava nesse tempo, mas convenhamos. De 2020 pra cá rolou tanta coisa no Brasil que eu nem me surpreendo. E comigo também não foi fácil. Eu por exemplo me mudei 3 vezes… Mas isso não importa. O lance é que em 2023 eu obtive e pude ler finalmente um quadrinho do f!cking Questão.
Eu tava no hype. Mas sabe aquele hype menos pretensioso, que é só ansiedade por estar lendo algo novo e possivelmente diferente? Era isso. Eu não esperava nenhuma obra prima e foi exatamente o que entregaram. Talvez não em todo o ápice desse termo, mas era bom, MUITO BOM.
O Questão ali não tem origem. A gente começa o HQ com ele já sem face e aos poucos mostra como é sua personalidade, emprego de jornalista e luta contra o crime e a corrupção. Com um momento bem indelicado no meio, envolvendo um prostíbulo, que mostra ele sendo babaca pra caralho depois de salvar uma criança. Um ponto que combina bem com a frase central da trama. “Existe o bem, existe o mal, e se você não sabe onde está, talvez esteja do lado errado”
Sei que falando assim, solto, talvez não faça sentido. Mas pense que Questão é um homem tentando se encontrar. Ele sente que falta algo, e não sabe se ele é bom ou ruim de fato. E as pessoas vão questionar isso. Isso se ele mesmo não o fizer constantemente. E ao mesmo tempo não sei dizer se essa seria realmente a frase de impacto do gibi. Não é nenhum “Darkside is”. Pois essa não é uma única história, um único Questão.
O enredo vai indo nessa de detetive moderno, segurando o leitor pelo diálogo instigante e belos desenhos, para ao final do livro 1 mergulhar no mistério central da trama, o qual muda tudo. 3 acontecimentos, quase paralelos. Num deles o Questão encontra sua “não face” e por fim entra num mergulho alucinante entre passados, que culmina no presente. Uma jornada pelas descobertas do personagem e quem ele realmente é, e do leitor, o qual vai então destrinchando o que chamaria, aí sim, de uma complexa origem exposta como trama final.
O que quero dizer, sem revelar muito, é que os detalhes do porque o Questão existe vão sendo apresentados muito sutilmente, e sempre ligados a como concluir a história central. Não é algo como “Fui ver Zorro, meus pais foram mortos, jurei vingança, caí numa caverna de morcegos e virei o Batman”. Essa história do cavaleiro das trevas pode ser boa, mas é mais longa e fora da curva do que você pensa. Tira um pouco do foco. Já em Questão, a origem é quase que o todo, ao mesmo tempo que existe outro objetivo maior que não é um simples primeiro vilão.
Você vai entender o personagem, o mundo, aliados e inimigos, de uma forma bem mais envolvente. E para isso, como já dito, temos várias histórias que no gim são somente uma. Com o visual, pequenos detalhes dos personagens e outras sutilezas mudando constantemente. E no topo disso, sempre puxando questões pertinentes.
Nesse final de parágrafo você deve ter lido e pensado “ah, mais uma piada com o nome Questão”. Mas eu estou sério aqui. Por um lado temos as perguntas do quadrinho. Qual a ligação de todos? Quem é Vic Sage? O que está acontecendo? Já do outro, o gibi mostra racismo, machismo, fascismo, anarquismo, entre outros. Nesse ponto trazendo as tais questões pertinentes. Entende agora?
Questão, talvez de forma brilhante, é um HQ para se pensar em muitas coisas, onde as mais importantes são detalhes que se aplicam ao mundo real, e nem sempre é o “vilão central”, se é que existe, que faz a parte ruim. Por vezes é o próprio protagonista, e acho isso fantástico. Por mais que alguns detalhes não sejam tão estampados. Fazendo no fim, Questão: As Mortes de Vic Sage, ser um quadrinho sobre seres humanos. Daqueles que nunca para, te fisga com anzol e termina deixando marca.