Quando eu termino de ler algo já busco juntar ideias e ir direto escrever, mesmo que saia algo ruim, apenas para registrar o pensamento e depois reescrever contendo aquilo que achei interessante inicialmente. Mas em raras ocasiões a obra me afeta de alguma forma que me impede de realizar tal ato, seja por me fazer sentir triste, eufórico ou pensativo. E no meio disso temos Koe no Katachi (A Voz do Silêncio), que me deixou… chateado. (?)
E um pouco difícil descrever meu sentimento ao termino da obra, e talvez nem seja o ideal mencionar este aqui, já que se trata de um review. Porém não consigo expressar minhas ideias quanto a esse mangá, em especifico, sem desviar um pouco e tender para um lado mais pessoal. Por isso deixo aqui este aviso, de que será um texto mais tendencioso.
Nesse ponto já devem estar vindo as perguntas de “mas por que isso?”. Alguns vão pensar que é por eu ter me sentido triste, outros por ter relembrando infância ou adolescência e alguns por eu estar em, ou ter tido, relacionamentos similares aos apresentados na obra. E enquanto tudo isso está correto, até um certo ponto, o único fator que ninguém considera e o de eu ser deficiente ou ter convivido com alguém com problemas similares.
Ok, não precisa se alarmar. Eu não tenho nenhum tipo de deficiência, ao contrário de uma das principais, Shouko Nishimiya, a qual se viu surda desde sua infância. Na verdade, eu me identifico mais com Shouya Ishida, o protagonista que implica com Nishimiya no início da história.
Koe no Katachi, assim como o one-shot de mesmo nome, mostra as dificuldades de se viver num mundo onde você simplesmente não escuta as pessoas ao seu redor, inicialmente explorando durante a infância a relação entre Nishimiya e Ishida num contexto mais de bullying, assim colocando a novata como alvo de Ishida e seus colegas, para depois virar e por Ishida como alvo.
Um começo surreal para muitos, incrivelmente pesado e que me fez chorar forte, pois eu era o Ishida. Nunca pratiquei bullying em toda minha vida, mas eu era esquentado e não aceitava desaforo. Logo, no início eu me defendia, mas as provocações continuavam e com o tempo eu passei de um garoto que não gostava de ser tratado mal para o monstro que todos odiavam.
Não me arrependo de ter dado uns murros nos meus colegas, pois estes realmente me magoaram, apesar do abandono. E talvez essa seja a grande diferença entre mim e Ishida, pois partindo do volume 2 o enredo muda, saindo um pouco do tema anterior e apresentando um jovem mais maduro, porem inseguro que busca reconciliação com a jovem que este outrora agrediu, Shouko Nishimiya.
Sendo assim, a partir deste ponto temos algo completamente novo, ainda mostrando diversos pontos sobre como é conviver com alguém com surdes, mas dando um foco muito maior a depressão. Um mal secular que aflige diversas pessoas e que me fez, novamente por conta de bullying, me afastar da sociedade por 3 anos.
E aqui novamente afirmo, texto tendencioso, pois tudo que me fez querer sumir está presente aqui de alguma forma. Conversas paralelas que deveriam dizer respeito a você, a paranoia que vem com isso, a súbita remoção da face das pessoas e afastamento da sociedade. Você passa a não escutar ninguém, viver no seu próprio mundo, um autismo necessário para sobreviver, uma espécie de surdes auto imposta.
Não pense que Ishida é o único. Eu ofendi pessoas, troquei de sala, deixei de atender telefonemas, e isso até mesmo em épocas recentes, não por não desejar ter amigos, mas por eu não querer passar novamente pelo que passei na infância e adolescência. E tenho certeza que muitos agem ou já agiram assim.
Voltando ao enredo, os pontos que mais me incomodaram foram o professor e os amigos, não na infância, mas na adolescência. Pois um professor ter me xingando na faculdade foi o ápice, o meu limite máximo. Eu já tinha ouvido tanta merda na vida que um adulto que eu respeitava ter me ofendido me fez querer dizer adeus a esse mundo. Eu me sentia um merda sem igual.
Já quanto aos amigos, como disse no começo, Ishida ficou sem nenhum, e apesar de ser uma “punição” isso me deixou com um amargo na boca. Eu fui abandonado dessa mesma forma no ensino medido por motivos ainda mais ínfimos. Eu gostava de videogames, conversava direto com “meu grupo”, férias vieram, passaram, e do nada todos viraram adultos menos eu que gostava de jogar Playstation. O nerd infantil da sala, ou como gosto de pensar, o único que não quis bancar o imbecil e continuou se divertindo sem ter de mentir.
E apesar de isso ter me feito muito mal na leitura, trazendo memorias que eu gostaria de apagar, o pior veio depois. Esse clima de slice-of-life da segunda parte deveria acalmar, mas me fez paranoico, como antigamente, pensando que algo de ruim viria a acontecer novamente com Ishida, talvez Nishimiya. Um misto de ansiedade e depressão me tomou conta, e apesar de eu ter levado diversos murros no estomago eu continuei. Sabem o porquê? Pois essa obra é genial.
Tem quem afirme que não vale a pena ler algo para se sentir mal, e eu até entendo esse ponto de buscar somente o que faz sorrir. É algo que varia de pessoa a pessoa. Mas ainda assim eu insisto, é bom passar por esses momentos, pois assim não deixamos de lado historias incríveis, personagens carismáticos, experiências que de outra forma jamais teríamos, e acima de tudo, vale como uma lembrança, não de tempos ruins, mas daquelas que vem para mostrar o quanto tudo melhorou, ao mesmo tempo que em parte o enredo pode servir para extravasar no choro boa parte desses sentimentos ruins guardados.
Mas nem tudo aqui é negativo. Não chega a ser spoiler afirmar que outros personagens entram na obra, apesar da tentativa de afastamento de Ishida, e após um cast razoável ser formado o roteiro aos poucos tenta mostrar o lado mais agradável das amizades, por fim culminando numa “descrição” da personalidade de cada envolvido, trazendo mais drama e criando vínculos deles com o leitor.
Você deseja saber o destino de cada um, quer que a fantasia continue, mesmo já tendo se tocado de que é um enredo extremamente real e que não a volta. Você se sente ligado a esses personagens, assim fazendo pensar em amizade, da mesma forma que você passou por depressão e bulling.
Ah, e quanto a eu ter me chateado com o fim? Não, não foi por eu estar mal, na verdade é algo meio besta. Eu so queria que tivesse continuado. Queria mais drama, mais emoção, mesmo que isso me destruísse por dentro, tamanha a qualidade do roteiro.
Koe no Katachi e uma obra incrível, real, de sentimentos mil, que deveria ser obrigatória na estante de qualquer fã de quadrinhos, não apenas mangás. E para a sorte de muitos isso que disse não é apenas da boca pra fora, mas uma realidade, graças a editora Newpop que trouxe este mês a obra para o Brasil. Não sei quanto a vocês, mas eu já estou indo adquirir o meu.
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Texto publicado originalmente em 29/04/2017